domingo, 20 de maio de 2007

Os bigodes do leão - Conto da Etiópia

Conto da Etiópia

Bizunesh, uma mulher das terras altas de África, casou com Gudina, um homem das terras baixas. Quando Bizunesh foi viver para casa de Gudina, descobriu que este tinha um filho chamado Segab. Segab era um rapaz muito triste porque a sua mãe tinha morrido de febre.
Bizunesh gostava muito de Segab e tentou ser uma verdadeira mãe para ele. Remendava todas as suas túnicas, consertava os seus sapatos e perguntava‑lhe sempre de que comida gostava mais. Nunca se esquecia de guardar os melhores bocados de carne do guisado para ele. Mas o rapaz não lhe agradecia. Nem sequer lhe dirigia a palavra.
Bizunesh e o seu novo filho estavam frequentemente sozinhos na casa de Gudina. Gudina era mercador e viajava com caravanas para cidades distantes, que ficavam nas montanhas e nas planícies. Quando Bizunesh ficava sozinha com Segab, falava-lhe de forma gentil. Dizia-lhe coisas como “Sempre quis ter um filho e Deus mandou-me um. Gosto muito de ti.” E tentava muitas vezes beijá-lo.
Mas Segab fugia dela e gritava, zangado:
— Não gosto de ti. Não és a minha verdadeira mãe. A minha mãe morreu. Não gosto de ti. Odeio-te.
Bizunesh tentava cozinhar os pratos favoritos de Segab. Mas Segab não os comia. Remendava as roupas dele, mas ele rasgava-as de propósito nos espinhos. O rapaz chegava a atravessar o rio para estragar os sapatos novos que ela lhe tinha comprado. Sempre que Bizunesh tentava beijar Segab, este fugia. A mulher chorava muitas vezes sozinha no quarto e ansiava pelo dia em que o filho a amasse tanto quanto ela o amava.
Um dia, Segab fugiu de casa e ficou na floresta até o pai o encontrar. Quando regressou a casa, não deixou que a madrasta o beijasse. Bizunesh chorou a noite inteira.
Na manhã seguinte, Bizunesh foi até à caverna de um famoso sábio. Contou-lhe que o seu novo filho não a amava e pediu ao velho:
— Dá-me uma poção de amor mágica. Assim, o Segab gostará tanto de mim quanto gostava da mãe.
O sábio respondeu:
— Para fazer essa poção preciso dos bigodes de um leão velho e feroz, que habita o deserto das rochas negras, por detrás do rio. Traz-me os bigodes e far-te-ei a poção.
— Mas como hei-de fazê-lo? O leão vai matar-me de certeza.
— Nisso não te posso ajudar. Só sei fazer poções de amor mágicas. Nada sei sobre leões. Tens de encontrar uma maneira.
Como Bizunesh amava muito Segab, decidiu tentar, apesar do medo. Atravessou o rio até ao deserto das rochas negras e observou o leão à distância. Era uma animal feroz. Quando o ouviu rugir, Bizunesh teve tanto medo que desatou a fugir.
No dia seguinte, voltou ao deserto com comida. Colocou-a numa rocha, a um quilómetro de distância do leão e fugiu.
Na manhã seguinte, a mulher levou novamente comida ao leão mas, desta vez, colocou-a só a meio quilómetro do animal. No dia seguinte, a distância já só era de um quarto de quilómetro.
Finalmente, ganhou coragem para se aproximar ainda mais do animal. O leão viu-a e rosnou de forma amigável. Bizunesh ficou perto do animal, enquanto ele comia. Na manhã seguinte aproximou-se mais e, finalmente, deu ela mesma de comer ao animal. Viu as suas mandíbulas enormes abrir e fechar num estrondo, e ouviu o som dos dentes a rasgarem a carne. Bizunesh sentiu um medo enorme, mas amava muito o enteado. Fechou os olhos, estendeu a mão e arrancou os bigodes do leão. Este mal notou a pequena dor que sentiu ao perder três dos seus bigodes. Bizunesh correu até à caverna do velho sábio.
Estava ofegante quando lá chegou.
— Trago-te os bigodes do leão! — gritou. — Faz-me a poção mágica e o Segab irá de certeza amar-me como a uma mãe.
— Não vou fazer-te nenhuma poção de amor. Aprendeste a aproximar-te do leão. Faz o mesmo com o teu enteado e ele aprenderá a amar-te.
Margaret Read MacDonald
Peace Tales
Arkansas, August House Publishers, Inc., 2005